Começar um negócio: enquadramento Legal
O enquadramento jurídico do Franchising em Portugal
O franchising em Portugal não é regido por nenhuma lei específica, carecendo no ordenamento jurídico português de um nomen iuris legalmente consagrado. É por isso considerado um contrato atípico que pela sua crescente relevância económica em Portugal é, no entanto, considerado socialmente típico, dotado de cláusulas que se caracterizam pela sua habitualidade no tráfico deste tipo de contratos.
Para este tipo de contratos impera em Portugal o princípio da liberdade contratual, consagrado no artigo 405.º n.º 1 do Código Civil. A aplicação deste princípio, porém, está condicionada por diversos dispositivos legais do Código Civil, nomeadamente a responsabilidade pré contratual (artigo 227.º), interpretação da declaração negocial (artigo 236.º), vontade das partes e boa-fé (artigo 239.º), não contrariedade à lei e aos bons costumes (280.º), boa-fé na execução do contrato (artigo 762.º n.º 2). Acresce que decorrendo tipicamente do contrato de franchising uma licença de utilização de marca e de outros sinais distintivos de comércio do franchisador, sempre serão aplicáveis à relação jurídica subjacente as normas do Código da Propriedade Industrial, em especial os seus artigos 30.º, 31.º e 32.º que determinam, para além do respectivo averbamento obrigatório da licença, que o contrato seja reduzido a escrito.
Por outro lado, por força do imperativo constitucional da liberdade de iniciativa económica privada (artigo 61.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa), o princípio da liberdade contratual será sempre forçado a ceder a este quanto pretenda impor uma qualquer limitação à liberdade de agir do franchisado, sempre e quando a possibilidade dessa limitação não estiver prevista na lei. Ou seja, só quando a limitação a impor à liberdade de iniciativa económica do franchisado estiver prevista numa norma legal é que o princípio da liberdade contratual aí poderá prevalecer e, ainda assim, desde que devidamente integrado no respectivo quadro normativo. É o que acontece com as típicas cláusulas de restrição da concorrência, em especial a proibição de concorrência pós contratual, obrigação de compras e restrições territoriais. O regime jurídico que ampara estas restrições encontra-se estatuído na Lei n.º 18/2003, de 11 de Junho – Regime Jurídico da Concorrência – e no Regulamento (CE) 2790/1999, de 22 de Dezembro, sendo que o desvio ao respectivo enquadramento pode, em algumas circunstâncias, como a imposição de preços, levar à nulidade de todo o contrato de franchising e a pesadas coimas. Como disse Henri Lacordaire, “entre o forte e fraco a liberdade escraviza e a lei liberta”.
Ainda como eventual condicionante do princípio da liberdade contratual importa estabelecer se o contrato de franchising foi objecto de negociações ou não, porque se não foi, sempre será de lhe aplicar o regime jurídico dasCláusulas Contratuais Gerais, introduzido pelo Decreto-Lei 446/85, de 25 de Outubro, na redacção dada pelas sucessivas alterações do Decreto-Lei n.º 220/95, de 31 de Agosto, e Decreto-Lei n.º 249/99, de 7 de Julho. Num país onde não existe a obrigação de sistematizar informações pré contratuais, nomeadamente por um Documento de informação, releva o disposto no seu artigo 5.º e 6.º, quanto à obrigação de as cláusulas contratuais serem comunicadas e explicadas ao franchisado com a antecedência adequada à complexidade do contrato.
Considerando-se a celebração e execução de um contrato de franchising um acto de comércio, serão também aplicáveis as normas constantes do Código Comercial.
Tem sido ponto assente na doutrina e jurisprudência portuguesa que ao contrato de franchising é aplicável, analogicamente, o regime jurídico do Contrato de Agência, consagrado no Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 118/93, de 13 de Abril. Com efeito, no crescente número de acórdãos dos tribunais superiores portugueses relativos a contratos de franchising, dezassete desde 2002, é recorrente a aplicação analógica ao regime jurídico do Contrato de Agência.
Releva ainda para o devido enquadramento jurídico do franchising em Portugal falar da Certificação do Serviço de Franchising. Com efeito, em 2001, a Associação Portuguesa de Franchise (APF), num esforço para assegurar a credibilização do sector, prevenindo futuros dissabores ao mercado, em parceria com a Empresa Internacional de Certificação (EIC), e posteriormente com o então Instituto Português da Qualidade (IPQ), organismo governamental, lançou-se num projecto pioneiro a nível mundial, que consistiu na criação de uma Certificação de Serviços para o sistema de franchising, com o objectivo de disponibilizar ao mercado português um instrumento oficial, credível e independente, que possibilitasse a distinção das marcas que aplicam as consideradas boas práticas de franchising. A Especificação Técnica desta Certificação, que reúne disposições do Sistema Português da Qualidade com as normas do Código Deontológico Europeu de Franchising, viu a sua homologação pelo IPQ em 2003, passando as marcas a operarem em Portugal sob o sistema de franchising a dispor de uma vantagem competitiva de diferenciação em relação à sua concorrência não certificada, para além dos benefícios organizacionais e estruturais obtidos pela aplicação da Especificação Técnica.