Este negócio não é para brincadeiras
Texto: Ana Tavares
O setor dos serviços para crianças e jovens tem crescido nos últimos anos. Pelo menos esta é a opinião da maioria dos players do mercado. Mas, muito por culpa da crise, também este foi forçado a adaptar-se: com maior concorrência e clientes mais exigentes, as marcas foram obrigadas a inovar e a prestar novos serviços. Além disso, dentro do próprio setor, há também negócios mais otimistas que outros, em resultado da perda de poder de compra dos clientes e da alteração das suas necessidades básicas. Se, por exemplo, a educação continua a ser considerada um bem essencial, a roupa e os artigos de festa passaram, por vezes, para um plano secundário. Por outro lado, de acordo com os franchisados, a atual situação social e económica tem um grande impacto na clientela deste setor. É de famílias que falamos e estas estão a ficar cada vez menos numerosas ou, em alguns casos, a emigrar do país.
“A área dos serviços dedicados a crianças e jovens desenvolveu-se largamente desde a década de 1990 até hoje. Não só pela necessidade de ocupar os filhos enquanto os pais trabalham, fora do horário escolar, como do próprio interesse em prepará-los para um mundo cada vez mais exigente no setor educativo e no futuro mercado de trabalho”, explica Rita Salema Garção, diretora da escola de línguas Fun Languages – The Kids Club em Portugal. A marca inglesa, que opera há 17 anos em Portugal e que conta com o mesmo número de escolas por todo o país, acabou por ser beneficiada com a crise, embora admita que a nível de expansão o crescimento abrandou.
“Há que realçar que a crise trouxe consigo um movimento migratório entre as camadas jovens à procura do primeiro emprego e de casais novos já com filhos (…) que tiveram de procurar escolas de línguas que os preparassem devidamente e com rapidez, mas com qualidade. Esta realidade alargou a procura sobretudo no ensino do inglês, tanto para os pais, como para os filhos.”
Outro aspeto trazido pela recessão económica foi a maior exigência por parte dos clientes, que hoje procuram “qualidade mas a um preço competitivo”. Ainda assim, a diretora da rede assume que “sempre se notou uma grande preocupação dos pais em relação à preparação escolar dos filhos e, no setor das línguas, só em última instância se interrompeu o acesso a estes serviços”.
Paulo Rosa, diretor geral da JumpingClay Portugal, que está no mercado nacional desde 2011, é da mesma opinião, afirmando que “os pais não pensam duas vezes quando se trata de gastar para o bem-estar e educação dos seus filhos”, até porque, acrescenta, “os pais do período em que vivemos têm um certo sentimento de culpa pelo facto de trabalharem mais horas e terem menos tempo para estarem com os filhos, sendo necessário compensá-los com atividades ou algo que os satisfaça”.
Mesmas marcas, mais serviços
Para outras marcas, esta falta de tempo por parte dos pais também abriu portas à criação de novos serviços. Este é o caso da Morangos, que iniciou a sua atividade de apoio escolar em 1997 e agora oferece serviços de kidsitting, creche e até de colégio. “A educação é das últimas despesas a cortar em tempos de crise em função da sua importância no seio da família”, refere Helena Domingues, responsável do departamento de marketing e comunicação da Onebiz, que detém a rede composta por cerca de 35 unidades em Portugal e que recebe cerca de 20 mil crianças por ano. Segundo a responsável, é também “uma oportunidade para a inovação da oferta e dos serviços disponibilizados para que estes se adaptem às necessidades atuais de cada comunidade e que acompanhem de forma eficaz os pais e as crianças ao longo do seu processo educativo”.
No entanto, e apesar de várias marcas estarem a ampliar serviços e a sua gama de produtos, o diretor da JumpingClay acusa o setor de alguma falta de imaginação quanto aos modelos de negócio que surgem no mercado para crianças e jovens. “Não obstante o facto de Portugal ter estado, e continuar, em profunda crise de há cinco anos para cá, o balanço que faço do setor de serviços para crianças é positivo, mas francamente insuficiente tendo em conta o potencial e, sobretudo, quando comparado com o que se faz nos outros países”, acredita Rosa.
A sua marca, acrescenta, é das poucas a fugir a esta exceção. E, de facto, a JumpingClay tem um conceito que é tudo menos aborrecido: trata-se de um franchising especializado em arte e brinquedos de plasticina, no qual os mais pequenos brincam – e ao mesmo tempo aprendem – com o material inovador da marca coreana, uma plasticina especial com propriedades terapêuticas. Para além de cursos e ateliers, a rede, que conta com oito unidades franchisadas em Portugal e cujo volume de negócios ronda os €185.000 anuais, organiza ainda festas de aniversário e de batizado, entre outras.
Quanto a tendências do setor, o diretor da JumpingClay diz que os pais procuram conceitos novos, que sejam igualmente pedagógicos e educativos, o que justifica a grande procura pelas festas da marca. É também por este motivo que a rede tem lançado novos produtos praticamente todos os anos (em 2015, a novidade vai ser o conjunto Savanna), e vai procurar abrir mais duas ou três unidades este ano, bem como ampliar a rede de distribuidores autorizados.
Outra das tendências é, segundo a diretora geral da Imaginarium em Portugal, Maria Espírito Santo, a tecnologia, já que os pais estão preocupados em preparar as suas crianças para os desafios de um mundo cada vez mais global: “As crianças do século XXI são nativos digitais e crescem num ambiente digital. O seu lazer, diversão e aprendizagem estão ligados à tecnologia desde muito cedo”, diz a responsável.
Foi por este motivo que a rede de brinquedos, que chegou a Portugal em 1996 e que continua a crescer, contando agora com 30 lojas, apostou no desenvolvimento de produtos específicos, como o Paquito Mix, uma mistura de smartphone e tablet especialmente concebido para crianças. Esta é uma tendência que, aliás, foi seguida pela própria Imaginarium, que, para além de alargar a sua gama de produtos e de apostar na imagem das suas lojas físicas, apostou ainda em melhorar a sua loja online.
Desporto e online são tendências
Mas, se a tendência de ficar sentado em frente ao computador aumentou, o contrário também se verifica, e os pais têm cada vez mais consciência dos benefícios do desporto e da vida saudável ao ar livre. Para responder a esta necessidade, a marca desenvolveu uma gama de produtos ligados a esta área e que engloba desde patins a bicicletas, passando por skates.
Para a Partyland, rede que comercializa artigos de festa e que conta com duas lojas, uma em Lisboa e outra no Algarve, a solução encontrada para a redução do poder de compra dos portugueses foi também o online, nomeadamente uma estratégia de e-commerce através do site da marca. De acordo com Riaz Issá, sócio-gerente da marca, que entrou em Portugal em 1998, “os clientes procuram cada vez mais packs completos de festas, querem um evento completo, com mais artigos de um tema específico. Pretendem que a emoção seja transportada para a festa e seja personalizada; estão sem dúvida cada vez mais exigentes. Cada vez mais, antes de o cliente vir à loja, pesquisa online e compra nas lojas físicas, ou pesquisa online e acaba por comprar na loja online, o que é mais rápido e mais cómodo”.
Considerando que a crise tornou não só os clientes mas também o próprio setor dos artigos de festa mais exigente, Riaz Issá salienta ainda que a marca se deparou com desafios a nível de formação de recursos humanos, de ruturas de stock por parte dos fornecedores e uma maior pressão em virtude da procura de novos produtos. “É fundamental o lançamento de novos produtos para não haver estagnação”, reitera.
Embora trabalhe numa área diferente, a de roupa, brinquedos e acessórios para criança, Paulo Costa é da mesma opinião: “Com o evoluir dos anos, o mercado tem amadurecido, tornando-se mais exigente. Isto obriga a uma melhoria dos prestadores de serviços, que se tornaram mais profissionais. É uma área que tem ainda potencial de crescimento e de inovação”, nota Paulo Costa, master da Kid to Kid. O desempenho da marca é um exemplo deste mesmo potencial: mesmo num mercado recessivo, até as lojas mais antigas da Kid to Kid continuam a crescer pelo menos 7% ao ano e perfazem já 22 unidades distribuídas por todo o país. Só no ano passado, a marca reutilizou mais de um milhão de artigos, comercializados a preços cerca de 50% a 70% inferiores que o original. “Criou-se também a consciência que as crianças têm necessidades diferentes dos adultos e, por isso, um serviço dedicado exclusivamente para elas ganha preferência”, justifica o master.
Ainda assim, Paulo Costa sublinha que até os conceitos mais inovadores implicam desafios: “O maior desafio da Kid to Kid é tornar o conceito de reutilização perfeitamente banal. Comprar em segunda mão permite às famílias adquirirem os produtos que necessitam, em perfeitas condições e a um valor abaixo do original. As famílias ganham enquanto vendem, ganham enquanto compram e desenvolvemos o conceito de reutilização num mundo que queremos mais sustentável.” Este desafio é também sentido pela JumpingClay, com Paulo Rosa a afirmar que “como marca, o principal desafio continua a ser a implementação do conceito face às caraterísticas do mercado. E, como qualquer conceito revolucionário, para vencer é necessário mudar o ‘mindset’ da população, das famílias, dos pais”.
Uma marca jovem, com origem em Espanha, a Princelandia chegou a Portugal em abril de 2014 e sentiu na pele essa dificuldade enquanto primeira franquia na Europa a desenvolver um conceito de spa educativo para meninas, que sensibiliza as crianças para os cuidados de higiene pessoais, alimentação saudável e autoestima, mas com muita diversão à mistura. Apesar do elemento novidade, a marca, que conta com apenas uma unidade em Lisboa, foi bem acolhida: com poucos meses de atividade, o volume de vendas situa-se entre os €40.000 e os €50.000, de acordo com a responsável Susana Ricardo.
Tal como referido por muitas outras marcas, também Susana se queixa da dificuldade de acesso ao financiamento no arranque do negócio, mas salienta que há oportunidades: “Quem arriscou ou está a pensar arriscar, beneficia da dimensão do mercado e do facto de não se tratar de um setor saturado, como outros, mais maduros, mas onde o crescimento é já limitado ou impossível”, diz.
Sem surpresa, a estratégia da rede para 2015 é a expansão. A master encontra-se neste momento na fase final de seleção dos primeiros candidatos a franchisados e espera que 2015 “seja marcado pela abertura de vários centros um pouco por todo o país”.
Preocupação com a empregabilidade
Por outro lado, no setor da educação para crianças e jovens, há também uma microtendência notória: a da preocupação com a empregabilidade. “Hoje, os jovens procuram essencialmente serviços de formação e educação voltados para a preparação para a empregabilidade. Sejam estes de orientação profissional, desenvolvimento de competências ou ferramentas que lhes permitam vir a integrar o mercado de trabalho”, confirma Pedro Tinoco, diretor geral da rede de centros de educação e formação para jovens (e adultos) School House. Em 2014, a marca abriu seis novas unidades, duplicou o número de pedidos de informação e aumentou em 40% o seu volume de faturação.
Sandra Romão, diretora geral dos Ginásios de Educação Da Vinci, reitera este ponto, dizendo que “o acesso ao ensino superior e a seletividade relativa à limitação do número de vagas nos cursos com viabilidade económica e empregabilidade garantida são aspetos que exercem uma pressão visível e acentuada sobre as classificações escolares elevadas e, consequentemente, sobre as famílias”. Há também, acrescenta, uma postura mais preventiva, com uma procura crescente por um serviço “que permita uma preparação progressiva dos alunos para os exames nacionais”.
Presente em Portugal desde 2007 e com 33 unidades, a Da Vinci continua a prosperar, registando um crescimento do volume de negócios em 2014 superior a 30% relativamente ao ano anterior. Sandra Romão refere ainda que o franchising acabou por ter um papel relevante no contexto educativo, já que “envolve um conjunto diversificado de atividades estruturadas para diferentes faixas etárias que podem, fora do tecido escolar, melhorar o desempenho académico e o estímulo para diferentes aprendizagens”. Por outro lado, acrescenta a diretora geral, permitiu a emergência de “um terceiro setor educativo, com forte impacto económico e social, sendo potencialmente uma resposta face à carência de empregabilidade que afeta o setor da docência em Portugal”.
Contudo, e apesar de os resultados da rede serem bastante positivos, a Da Vinci está também a procurar reduzir a dependência do mercado nacional e impulsionar ainda mais a sua sustentabilidade, tal como outras marcas do setor, como a Morangos, School House e a Metro Kids Company.
Mas, enquanto a preferência das marcas do setor da educação passa prioritariamente pelos países de língua portuguesa, como o Brasil, Angola, Moçambique e Macau, a Metro Kids deseja expandir-se para Marrocos e Oriente, tendo já planeada a abertura de uma segunda loja em Marrocos até abril, e a inauguração de uma unidade em Angola, para além da abertura de oito lojas em 2015 no Oriente. “A nossa marca não tem crescido no mercado nacional em volume de vendas, antes pelo contrário, mas temos crescido bastante enquanto marca, pelo conhecimento e notoriedade externa”, explica Alexandre Cunha, responsável pela cadeia de roupa e acessórios para criança, que conta com 12 lojas em Portugal.
Vantagens do franchising
Na verdade, ao contrário da maioria das marcas do setor, a Metro Kids tem-se deparado com um cenário negro na indústria do vestuário, com grande parte da clientela a procurar preços muito mais baixos em detrimento da qualidade. “Naquilo que nos toca, roupa para criança, temos assistido a uma quebra das vendas no mercado interno e ao desaparecimento da maioria das marcas portuguesas que operavam neste setor. Este fenómeno deve-se essencialmente a dois fatores: perda de rendimento disponível e consequente diminuição de gastos com a aquisição de roupa, em paralelo com a baixa taxa de natalidade que tem persistido e que começa a ser um problema de caráter global.” Para Alexandre Cunha, é aqui que as vantagens do franchising também fazem a diferença, já que “seria impensável” para a marca implementar o seu conceito no estrangeiro apenas através de lojas próprias.
Apesar de funcionar no setor da educação, um setor em clara expansão, a FasTracKids também sofreu mais nestes últimos anos, embora 2014 já tenha sido um ano de “crescimento marginal”. “Foi uma regressão de mercado, às vezes parecia que a procura tinha desaparecido. No nosso caso, que trabalhamos com dois tipos de clientes, o cliente final e os colégios/escolas, algumas vezes sentimos uma regressão quase absoluta, nomeadamente com as escolas privadas, que foram muito afetadas desde 2008 com a crise”, nota Nuno Curica, responsável da rede.
Em 2015, a FasTracKids espera uma melhoria, nomeadamente com o aumento em 15% do número de alunos por academia e com a abertura de mais duas unidades, que irão elevar o número total de centros da marca para dez. “O nosso produto é muito estanque. No entanto, nos últimos anos foram colocados no mercado um programa de desenvolvimento de competências transversais para idades abaixo dos dois e três anos, chamado FasTrack Tots, e um programa para aprendizagem da língua inglesa, chamado FasTrack English, que já estão no mercado português.” Segundo Nuno Curica, esta é uma das principais vantagens do franchising, pois permite não só uma expansão territorial a custos mais baixos, mas também permite a criação de “propostas do produto baseadas nas experiências de cada um dos franchisados”.
Com cada vez mais redes no mercado, especialmente na área de educação, muitos franchisados destacam que é necessário encontrar um nicho. No caso da Explicolândia, o foco está virado para os resultados escolares dos alunos, mas a rede também apostou em importantes serviços complementares que vão ao encontro das necessidades dos pais, como as explicações ao domicílio, através do conceito Home Study, ou das aulas de inglês e alemão, cada vez mais procuradas.
A marca, que à semelhança dos outros negócios no setor da educação, também se pretende internacionalizar para o mercado lusófono, atingiu as dez unidades em 2014 e conseguiu um crescimento de 65% na sua faturação anual entre 2012 a 2014. Também aqui, refere José Carlos Ramos, da direção de franchising da Explicolândia, o regime de franquia fez toda a diferença: “Esta é uma área de elevada concorrência, com particular incidência nos últimos dois anos, que, em virtude da instabilidade laboral vivida no ensino, tem levado muitos professores a abrir os seus próprios centros de estudos e explicações. No entanto, a maior parte destas estruturas não possuem um conceito próprio e uma gestão profissional e empreendedora adequada, o que faz com que tenham um curto tempo de vida.”