Há que ponderar os riscos, mas quem tem uma ideia de negócio deve pô-la em prática. “É quase um dever de cidadania”, defende Ana Bela Pereira da Silva, presidente da Associação Portuguesa de Mulheres Empresárias (APME), que já ajudou mais de 150 empreendedoras a lançarem-se por conta própria.
NEGÓCIOS&FRANCHISING: Qual é a missão da APME?
Ana Bela Pereira da Silva: Apoia o empreendedorismo feminino, tanto na vertente das mulheres que querem iniciar o seu negócio, criar a sua empresa ou o próprio emprego, como na vertente das mulheres de carreira.
Por outro lado, apoia as próprias empresas no seu desenvolvimento, organização e estruturação.
Promove o lobbying e a troca de experiências em rede, o estabelecimento de relações quer entre as empresárias portuguesas, quer com empresárias de outros países.
N&F: Hoje as mulheres estão mais audazes no mundo dos negócios, mais competitivas?
A.B.P.A.: Nós, mulheres, estamos muito mais seguras de nós próprias, em termos gerais, do que há uns anos atrás.
N&F: Isso deve-se ao facto de estarem mais bem preparadas ou é fruto de uma maior igualdade de oportunidades?
A.B.P.A.: As mulheres têm registado uma progressão louca em termos de habilitações académicas, basta olharmos para o ensino superior onde estamos em maior número que os homens. No entanto, há muitas questões que continuam a ser problemáticas. Uma delas é, por exemplo, a baixíssima representação nos cursos de caráter mais tecnológico. Outra questão é – onde estamos nós em termos de poder económico? As mulheres estão essencialmente nas pequenas empresas, estando pouco representadas nos grandes grupos económicos.
Por outro lado, apesar de estarmos mais habilitadas e termos mais competências, quando analisamos os números verificamos que existem gaps salariais assustadores. Isso é muito negativo e tem que nos fazer pensar a todos nós como é que podemos colmatar esta questão.
N&F: Que medidas propõe a APME em prol da igualdade?
A.B.P.A.: Nós começamos o ano passado a desenvolver um projeto muito importante nesse sentido, que se chama “O Talento não tem Género”. Foi desenvolvido a nível internacional pela Itália, França e Espanha e é essencialmente dirigido às Pequenas e Médias Empresas (PME). No fundo é uma ferramenta muito simples que procura sensibilizar as PME, ao nível das políticas de gestão dos seus recursos humanos, no sentido de irem à procura do talento independentemente do género da pessoa. Ao fazê-lo, tornam-se mais competitivas e também mais lucrativas.
N&F: Referiu-se anteriormente aos gaps salariais. Há discriminação salarial?
A.B.P.A.: Há discriminação pura e dura. Quando para os mesmos níveis de qualificação se tem um gap salarial entre homens e mulheres, que nos mais altos níveis chega a ser superior aos 30 por cento, isso é discriminação, não lhe posso chamar outra coisa.
N&F: A crise despertou um maior espírito empreendedor? Fez com que mais mulheres lançassem os seus próprios negócios?
A.B.P.A.: Provocou duas vertentes, uma delas a que está a falar, sem dúvida. Muitas mulheres ficaram sem emprego e perceberam que, sobretudo a partir de uma determinada idade, muito dificilmente conseguiriam entrar no mercado de trabalho por conta de outrem Optaram então por criar a sua empresa, o seu posto de trabalho, quase por uma questão de mercado. A outra vertente é que a crise fez com que o empreendedorismo feminino passasse a ser visto quase como uma alavanca inovadora dentro das empresas.
N&F: Em que se traduz isso?
A.B.P.A.: Depois desta crise os conselhos de administração das empresas passaram a ter muito mais mulheres. A verdade é que, pelo menos alguns estudos assim o referem, as mulheres gerem muito mais por valores do que os homens. E esta crise resulta de uma ausência total de valores.
Para mim, pessoalmente, esta crise não representa uma falha do modelo capitalista, mas sim os frutos de um capitalismo selvagem, que é algo completamente diferente. E foi esse capitalismo selvagem que nos colocou na crise em que estamos e eu não sei como iremos sair dela. De certeza que será necessário algo completamente diferente daquilo a que estávamos habituados.
N&F: Têm surgido também empreendedoras a apostar em projetos de franchising?
A.B.P.A.: No caso do projeto Dona Empresa já tivemos algumas, mas poucas. Os negócios em franchising têm também uma taxa de insucesso como os outros. Há projetos de franchising que são muito incipientes e eu sinceramente não acredito muito no seu êxito, pelo menos a médio prazo.
N&F: Relativamente aos projetos da APME, pode dizer-se que o Dona Empresa é a grande bandeira da associação?
A.B.P.A.: É o mais visível, sem dúvida. Para nós é fundamental o apoio ao acesso ao emprego e o Dona Empresa permite a mulheres que estejam desempregadas e tenham uma ideia de negócio, concretizá-la.
N&F: Em que consiste o Dona Empresa e a quem se destina?
A.B.P.A.: É exclusivamente para mulheres que estejam desempregadas. Tem três componentes – formação, consultadoria e criação da rede. As mulheres que chegam à fase de consultadoria e arrancam com o seu próprio negócio têm um prémio de Apoio ao Arranque de Atividade no valor de €5400.
N&F: Quais os requisitos para se candidatarem ao Dona Empresa?
A.B.P.A.: Estar desempregada e ter uma ideia de negócio são os requisitos principais. Devem também ter mais de 18 anos e a escolaridade mínima obrigatória.
N&F: Para cada edição são selecionadas 16 candidatas. Quais os critérios de seleção?
A.B.P.A.: Não tem nada a ver com as habilitações académicas, são sim avaliadas as características que já falámos, como a capacidade de comunicação, de liderança, de tomada de decisões, etc. É fundamental vir com uma ideia de negócio, que pedimos à candidata para descrever. É também realizada uma entrevista para ficarmos a conhecer melhor a empreendedora e o seu projeto.
N&F: Quantos negócios a APME ajudou a criar no âmbito do projeto Dona Empresa?
A.B.P.A.: Contando com as que estão neste momento em consultadoria já apoiámos a criação de mais de 150 de norte a sul do País.
N&F: Pode também ser aplicado a projetos de franchising?
A.B.P.A.: Pode e já surgiram casos, mas é um número com pouca expressão.
N&F: Quando se realiza a próxima edição do programa?
A.B.P.A.: Ainda não houve abertura de candidaturas este ano nem se sabe quando vão abrir, estavam previstas para início do ano. Este projeto tem sido cofinanciado pelo POPH – Programa Operacional de Potencial Humano do QREN – Quadro de Referências Estratégico Nacional e é gerido pela CIG – Comissão para a Cidadania e Igualdade de Géneros.
N&F: Que mensagem gostaria de deixar às empreendedoras e empresárias portuguesas?
A.B.P.A.: Gostaria de transmitir uma mensagem de força, energia e algum otimismo. Quem tem capacidade empreendedora tem quase o dever cívico de pô-la a funcionar em prol de si próprio e da sociedade, pois cabe-nos a todos contribuir para que a situação em que vivemos se desenvolva da melhor maneira. Precisamos criar emprego urgentemente, caso contrário teremos problemas sociais gravíssimos no futuro. Portanto, neste sentido, todas as mulheres que tenham uma ideia de negócio, quer estejam desempregadas ou a trabalhar, devem analisá-la e desenvolvê-la e, se for viável, avançar para a sua concretização. Isto é quase o mesmo que dizer que quem tem capacidade empreendedora deve pô-la em funcionamento. Sem medos.