Vender moda com impacto
Se já viu o documentário ‘True Cost’ provavelmente tem noção do impacto que a indústria da moda tem no ambiente e nas condições de vida de milhões de pessoas em países em desenvolvimento. Sujeitas a condições extremas, estas pessoas trabalham diariamente para alimentar o desejo incessável de moda a baixo custo dos chamados países ‘desenvolvidos’. Esse impacto, escondido de milhões de pessoas, foi o que levou a portuguesa Joana Cunha e a romena Patrícia Imbarus, de 29 e 25 anos, respetivamente, a criar a Fair Bazaar.
“Nós trabalhávamos juntas na área da moda numa startup que foi adquirida pela Farfetch – a Gleam – e por isso estávamos muito por dentro da área da moda. Mas aquilo que nós achávamos que sabíamos no fundo não era nada. Não sabíamos bem o que está por detrás de toda a indústria e quando vimos o documentário tivemos uma espécie de epifania e percebemos que as coisas tinham que mudar. Eu fiquei com um nó na garganta e desde que vi o documentário deixei de conseguir pôr os pés numa Zara”, conta Joana Cunha.
“A produção em si, as condições de trabalho e os direitos dos trabalhadores e todo o impacto ao longo da cadeia de valor foram coisas que nos surpreenderam. O desperdício é uma questão gigantesca na indústria da moda, mas de que ninguém fala. Toda a roupa que está a ser produzida agora vai acabar em aterros nas Filipinas, no Sudoeste Asiático, etc, em ilhas onde não existe mais nada a não ser desperdício. Sai muito caro às empresas pensar como vão acabar o ciclo de vida dos seus produtos: é difícil, exige recursos imensos e por isso é mais fácil ‘despejar’ num local onde ninguém vê”, acrescenta Patrícia Imbarus.
Com a missão de acabar com a “cultura do descartável” e com vontade de mudar o mundo, as duas empreendedoras decidiram estudar o setor e apostar num marketplace que reúna consumidores conscientes com marcas de lifestyle sustentáveis.
“A indústria da moda é a segunda mais poluidora do mundo! Depois da indústria do Petróleo e do Gás. Em Portugal, acho que as pessoas ainda não estão alerta para esta realidade e por isso é que um dos nossos objetivos é apostar em consciencialização”, confessa Joana Cunha.
A semente foi lançada em abril de 2017, com um evento no Impact Hub para a visualização do documentário ‘True Cost’ e que, de acordo com as empreendedoras, “teve um sucesso enorme. Isso mostra que as pessoas estão ávidas de informação e de perceber como funciona.”
Mas o caminho não será fácil, dizem. Segundo Patrícia Imbarus, “é uma luta enorme porque as pessoas têm essa mentalidade do fast fashion e não atribuem valor nenhum às peças. Mas já percebemos que sempre que se compra uma peça que tem um valor especial e emocional tens outro tipo de relação. Quando vamos viajar e compramos uma peça de roupa, temos outro tipo de relação com essa peça, porque existe uma história relacionada. E queres guardar essa peça para sempre. Para nós o storytelling e este aspeto da educação é muito importante. Para além disso também é importante explicar de forma transparente como é que uma compra vai ter um impacto positivo no ambiente e nas pessoas. Quando alguém for à Fair Bazaar comprar um t-shirt vai poder ver, por exemplo, que está a pagar para que 10 pessoas de determinada comunidade possam ter um emprego. Ou se está a apoiar um programa de educação ou que recursos foram utilizados.”
Para poderem contar a história destes produtores e destas comunidades, Joana Cunha e Patrícia Imbarus passaram várias noites e fins-de-semana a trabalhar no seu conceito de loja online e à procura das marcas que, como elas, querem ter um impacto positivo no mundo com produtos sustentáveis e socialmente responsáveis.
“Ao início achávamos que não havia nada, mas assim que mudámos o mindset percebemos que isto é um mundo que estava completamente inexplorado. Descobrimos mais de 600 marcas em toda a Europa. E uma coisa puxa a outra e de repente começámos a descobrir marcas cá em Portugal que nos apresentavam outras e começámos a construir uma rede de pessoas incríveis”, contam-nos.
Depois de identificadas as marcas, que foram escolhidas através da análise de critérios como as matérias-primas utilizadas, o modo de produção, as condições de emprego oferecidas aos seus trabalhadores, a gestão dos recursos e os programas e causas sociais e ambientais suportadas, as empreendedoras fizeram uma descoberta ainda mais importante. É que quem quiser comprar produtos de lifestyle sustentáveis e responsáveis não tem uma loja única que agregue todas as opções disponíveis no mercado. Viram assim confirmada a sua oportunidade.
Na Fair Bazaar, as marcas vão estar divididas em três grandes áreas: moda, beleza e casa. O conceito de negócio também é simples e pretende promover cadeias de distribuição curtas, respondendo a um dos maiores problemas da indústria. Assim, depois de feita a encomenda na plataforma, a Fair Bazaar envia a informação da encomenda para o parceiro que por sua vez faz o envio para o cliente. A Fair Bazaar fica com uma comissão sobre essa venda.
“Depois de vermos o documentário tomámos a decisão de não comprar em sítios que promovessem a tal cultura de fast fashion e de comprar em sítios onde conhecêssemos a história e em que soubéssemos como é que as peças eram feitas. Mas percebemos que não havia nada que agregasse esse tipo de marcas. Se as pessoas quiserem comprar roupa sustentável, mas tiverem que procurar por duas semanas vão desistir. Foi por isso que quisemos fazer uma coisa tão fácil, tão acessível e inclusiva, para que não existisse razão para não comprar estas marcas”, revela Joana Cunha.
Para além de servir de montra para as marcas sustentáveis selecionadas pelas empreendedoras, o Fair Bazaar permitirá contar a história de quem faz os produtos. “Vamos dizer tudo e fazer uma desconstrução de tudo. O foco vai ser toda a Europa, sendo que onde vamos investir mais é em países como Inglaterra e os países nórdicos da Europa, como Alemanha, Dinamarca e Suécia, que é onde já existe consciencialização para esta realidade. Aí não será preciso um investimento tão grande em educação e esse é um processo que demora tempo”, explicam ainda.
O lançamento aconteceu no final de setembro, durante o Green Fest, onde para além de ouvir Safia Minney – guru da moda sustentável trazida a Portugal pelas duas empreendedoras depois de muita insistência via Instragram e de um encontro em Londres – foi possível conhecer alguns dos produtos que estarão à venda na Fair Bazaar, assim como os seus produtores, cara a cara.
A plataforma estreia-se com cerca de 50 marcas, mas o futuro passa por criar “uma mudança durável e que tenha impacto nas pessoas e no ambiente. Temos consciência de que o caminho vai ser comprido, mas queremos muito envolver as comunidades e as pessoas e não queremos ser apenas uma loja online. Nós somos quase ativistas e por isso é importante falar com as pessoas cara a cara e organizar eventos para a nossa comunidade. Queremos criar uma comunidade de pessoas que como nós queiram mudar o mundo. Seja com talks, pop-up stores, encontros…”, diz Patrícia Imbarus.
“Não queremos ser uma mera plataforma que agrega as marcas… queremos falar com o consumidor e perceber quais as suas preocupações. A palavra comunidade é muito importante porque é mesmo isso que nós queremos construir: uma comunidade de consumidores, marcas e produtores que têm o mesmo objetivo. Se aproximarmos estes nossos stakeholders uns dos outros só temos a ganhar com isso. Todos. É isso que nos move”, acrescenta Joana Cunha.
Para além disso, explicam que existe um potencial muito grande para explicar às pessoas de que forma o consumo local pode impactar a economia e o ambiente de uma forma positiva. “Daqui a um ano queremos ter vendas, é óbvio, e queremos ver tração nos nossos mercados alvo, mas queremos conquistar a atenção de pessoas de outros países. Dentro de dois ou três anos queremos ser a maior plataforma desde género em toda a Europa e posicionarmo-nos como a referência nesta área. Vamos dar a possibilidade de pesquisar produtos por país porque o consumo local pode mudar tudo isto. Um dos maiores problemas do planeta é que compramos uma coisa feita na China, que é embalada na Índia e que depois ainda vai para um centro logístico não sei onde para só depois chegar até nós. E há imensas soluções locais com ótima qualidade e design. É tudo uma questão de mentalidade. O impacto de comprar localmente é enorme tanto no ambiente como na economia e a nível social”, conclui Patrícia Imbarus.
Para já, pode conhecer os produtos sustentáveis da Fair Bazaar na loja recentemente aberta pela marca na Embaixada, no Princípe Real, em Lisboa.